A encarnação do Verbo de Deus

D. Eusébio Scheid
Estamos nos últimos dias de preparação para a grande festa do Cristianismo, o Santo Natal, quando comemoramos a Encarnação do Verbo de Deus, Jesus Cristo. Neste ponto central da História, concentram-se todas as profecias anteriores e as expectativas do futuro, justificadas e explicadas pela vinda do Messias. Ele é o fundamento da esperança para o mundo, em meio às injustiças e crueldades que marcam a nossa História.
Mas, por que Jesus veio à terra? Antes de tudo, para nos revelar Deus-Pai, identificar-se como seu divino Filho e demonstrar a atuação do Espírito Santo na Trindade, na Igreja e em cada um de nós. Veio, também, esclarecer o grande mistério do ser humano, que só podemos compreender melhor quando confrontado com o homem novo - Cristo, pois o velho homem - Adão, desfigurou a história e a face da humanidade. Em Cristo, o ser humano está destinado à glória, resplandecendo em si o brilho do próprio Deus. Pela fé no Verbo Encarnado, Rei do Universo e Senhor da História, vislumbramos o termo para o qual se encaminha a realidade deste mundo.
Jesus também veio nos ensinar como ser irmãos. O Natal é a festa da fraternidade. Porém, é fácil afirmar isto e ficar apenas nas palavras. Como ser irmãos de verdade, sem acepção de gênero, raça, cultura ou religião? Somos irmãos, de fato, sobretudo daqueles que celebram conosco o mistério da Encarnação do Verbo de Deus. Isto porque fomos adotados pelo Pai, em seu Filho, nosso Salvador, que se fez homem para nos restaurar, assumindo a dramaticidade da vida humana: a exclusão social, sem lugar para nascer; a perseguição e o exílio, ainda na infância; décadas de trabalho silencioso e oculto; três anos de missão evangelizadora. Finalmente, no desfecho de sua vida, pelo Mistério da cruz, pagou com seu preciosíssimo sangue o preço definitivo desta adoção.
Jesus veio à terra, ”veio para o que era seu, mas os seus não o receberam”. Nem todos reconheceram Jesus e o aceitaram. Isto ocorre até os nossos dias. “Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,11-12). São João Batista, o maior de todos os profetas nascidos de mulher (cf. Lc 7,28), acolheu o Senhor, antes mesmo que ambos nascessem, mostrando que sua vida estaria, definitivamente, marcada pela presença do Messias Salvador: “Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41).
Quem acorreu ao Presépio para adorar Cristo, verdadeiro Deus, revelado em natureza humana? Os primeiros foram os anjos, a cantar louvores: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc 2,14). Depois, os homens simples do campo – os pastores: “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura. Vendo-o, contaram o que se lhes havia dito a respeito deste Menino” (Lc 2,16-17).
Os grandes Sábios do Oriente fizeram, pelo menos, 2 ou 3 anos de viagem para chegarem até o Rei, nascido em Belém. Deixaram-se conduzir por uma estrela luminosa, que os convidara a caminhar, e partiram em busca da verdadeira Estrela da Manhã, que é o próprio Cristo Jesus: “Eu sou a raiz e o descendente de Davi, a estrela radiosa da manhã” (Ap 22,16).
Natal é uma festa de luz. E as luzes despontam pelas ruas enfeitadas. Há luz também dentro das casas, no pinheirinho e no presépio iluminados. A luz é algo de divinal, que ultrapassa as explicações simplesmente humanas. Luz é alegria, festa, oposição a toda treva, tristeza, mentira e embuste. A verdadeira Luz veio até nós e o próprio Cristo se define como tal: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Essa luz há que brilhar dentro de nós e ao redor de nós. Sejamos iluminados.
A adoração dos Sábios a Jesus nos introduz, ainda, numa outra reflexão: com o Advento do Mestre dos mestres, a sabedoria tomou outro rumo, surgiram referências completamente novas para as nossas vidas. Baste citar, por exemplo, a moral e a ética. Cristo veio ensinar uma nova percepção da realidade e purificar normas de comportamento. Conferiu critérios bíblicos aos dissolutos costumes pagãos e irrigou com a graça a aridez da lei judaica, que mostrava o erro, mas não dava a força para superá-lo. Em Cristo, temos o auxílio divino para podermos praticar e viver o que Ele anunciou.
Esta nova referência que Jesus veio trazer nós chamamos de Boa Nova. O Natal é festa da Boa Nova, que anuncia o surgimento de uma ordem inédita para as relações humanas, na qual prevalece a justiça divina, transformando e purificando a justiça humana. O Natal nos leva a reconhecer que a autêntica promoção do ser humano não está na potência das armas, nem no poder econômico, como tinham os romanos, no tempo de Jesus, e tantos outros impérios que se seguiram na história mundial. Quem, até então, havia proclamado que o maior no seu reino, seria aquele que se tornasse pequenino como uma criança? Somente Jesus o fez, tornando-se, ele mesmo, um Deus-Menino (cf. Mt 18,4). Por isso, façamos do Natal a festa da simplicidade. Assim, estaremos em sintonia com o verdadeiro Senhor desta celebração. Quando se abre o drama do Presépio, Jesus, não encontrando abrigo, vai nascer sobre a pobreza da palha, junto ao cocho e próximo, até, do esterco. Ali já se prenuncia o caminho do Calvário mas, ao mesmo tempo, começam a jorrar as fontes da Salvação. A novidade da graça flui para a Igreja, e para cada um de nós, a partir da cruz: “Cristo Jesus, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todo nome” (Fl 2,8-9). “Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12).
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