Necessidade de ouvir e ser ouvido


Sheikh Abdelbagi Sidahmed Osman*

A proposta da criacão pelas Nações Unidas do Ano Internacional pelo Diálogo entre as Civilizações, talvez alguns não saibam, partiu de um país muçulmano, a República Islâmica do Irã. Essa proposta de diálogo, na verdade, não é nova, já tem quatorze séculos, desde o surgimento do Islã. Sempre houve diálogo, sempre houve possibilidades de aproximação e o Islã nunca entendeu por que o que deve prevalecer entre as nações - nos seus diferentes aspectos históricos ou religiosos - é o confronto.
Nós entendemos que o diálogo, a aproximação e o conhecimento da diversidade cultural caracterizam a raça humana. Deus cria o ser humano e ele tem o livre arbítrio de adotar a idéia que lhe convier. Esse livre arbítrio não é uma coisa que eu ou nós estabelecemos, mas foi o próprio Criador dos seres humanos que o estabeleceu para nós. É assim que todas as mensagens enviadas por Deus não vieram para impor uma idéia, mas sim para esclarecer. Adota a idéia quem quiser.
Tivemos a oportunidade, com os atentados de 2001, de ser um pouco mais ouvidos como muçulmanos. E ouvimos muitas pessoas falando determinadas coisas sobre religião e ouvimos também quem teve a boa intenção de tentar esclarecer mais a respeito do Islã e dos muçulmanos. Ninguém pensou antes: Será que alguma vez eles foram ouvidos? Será que nós tentamos entender o que é esse mundo, esse pensamento e o que é essa religião ou tentamos condenar sem direito de defesa e punir e aplicar punição?
Notamos que aqui no Brasil a presença muçulmana existe desde a descoberta pelos portugueses, ainda mais com os navios negreiros que trouxeram os muçulmanos da África e os novos cristãos. Desde então, e até hoje, não existe nenhum tipo de impasse, de incompreensão, entre a população brasileira e os muçulmanos que dela fazem parte. Os muçulmanos sempre se fizeram presentes em território brasileiro, mesmo quando pretenderam ignorar a sua presença, e não se sentiram de forma alguma discriminados, salvo por alguns orgãos da mídia, que tentam transmitir idéias que não são corretas sobre a nossa religião. Mas em termos gerais sempre fomos muito bem tratados, inclusive depois dos acontecimentos de 11 de setembro.
Os sentimentos de solidariedade, de compreensão e de carinho têm aumentado em relação aos muçulmanos aqui no Brasil. Isso demonstra que a população brasileira, em determinados momentos, não se deixa ser induzida pelas informações massificantes colocadas perante ela. Todas as estatísticas que foram feitas no Brasil sobre os atentados de 2001, mostraram, em sua maioria, um índice de mais de 80% a favor da paz no Oriente Médio, a favor de um ambiente de diálogo, de um ambiente de bom convívio.
Nós notamos que, no diálogo entre as civilizações, existem duas visões: uma que vê na diversidade uma forma de ameaça e outra que observa nela uma possibilidade de aproximação e de bom convívio da raça humana. Na Terra cabem todas as idéias, todas as diferenças, sejam elas culturais ou étnicas. Há a possibilidade de convivermos sem disputar interesses. Se eu sair em defesa do Islã e dos muçulmanos, estaria afirmando que existiria uma culpa pelo que aconteceu no mundo.
Não se deve acusar uma nação ou uma religião por uma atrocidade praticada por um grupo, seja ele quem for, inclusive até americano. Não podemos generalizar, como já aconteceu muito na história da humanidade, quando ela acusou, condenou, executou a pena e depois descobriu que era um equívoco. Eu presumo que num futuro próximo nós vamos nos envergonhar da história da humanidade quando ela apontou um acusado sem dar-lhe o direito de se defender, decidiu a pena e a executou. O fato é que hoje, e cada vez mais, milhões de pessoas estão fora de seus lares, expulsas pelas guerras de toda sorte, acumulando à miséria em que já viviam ainda mais miséria e terror.
Entendemos assim que não deve haver confronto entre civilizações e sim aproximação, diálogo e bom convívio. Desde que haja alguém que queira nos ouvir, nós também estamos dispostos a ouvir. Neste sentido, existe um provérbio árabe e muçulmano que diz que Deus criou uma boca e dois ouvidos exatamente para que nós possamos ouvir mais do que falar. O Alcorão e os ensinamentos do profeta Muhammad nos orientam para ouvirmos bastante e com atenção.
Houve certa vez um diálogo entre um grupo cristão e o profeta Muhammad, que o hospedou por três dias, no qual, embora não tenham chegado naquele encontro a um denominador comum, foram encontrados pontos em comum e cada um foi para o seu lado com muito respeito.
Quando os muçulmanos conquistaram Jerusalém foi dada às populações judaica e cristã a garantia da vida e da prática religiosa e, até hoje, cristãos, judeus e muçulmanos convivem. Nunca houve uma tolerância tão grande como a civilização islâmica tem proporcionado às outras religiões. É claro que existem grupos que não agem dessa forma e, como disse, isto não deve permitir generalizações.
A palavra Islã quer dizer paz e paz é o objetivo final de toda e qualquer revelação. Esse é o objetivo final da religião. Concretizar estas palavras no real. Que a Paz esteja convosco.

Sheikh Abdelbagi Sidahmed OsmanIman e Presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, é Representante da Organização Islâmica para a América Latina e da Liga Islâmica Mundial no Rio de Janeiro.


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