Dom Oscar Romero: Testemunha do Cordeiro


* Maria Clara Lucchetti Bingemer


Chama-se mártir em teologia cristã aquele ou aquela que para testemunhar e confessar em toda a sua radicalidade e autenticidade a fé é vítima de morte violenta. Juntamente com esta morte pode sofrer torturas, condenações, constrangimentos de toda sorte. Também são parte do seu martírio.
Na verdade, o que a Igreja quer ressaltar quando venera seus mártires é não o sofrimento em si que os atormentou, mas o porquê esse sofrimento os atingiu. Foram testemunhas fiéis até o fim, como Jesus. Não recuaram diante de nenhuma ameaça nem nenhum perigo. Preferiram perder a vida a renegar aquilo em que acreditavam do mais fundo de seu coração.
Os primeiros quatro séculos da história da Igreja foram regados pelo verter do sangue de milhares de mártires. Entre eles havia não apenas homens adultos, mas igualmente mulheres e crianças. Tratava-se de pessoas que, havendo aderido á fé cristã, recusavam-se a prestar culto ao Imperador como sendo divino e confessavam firmemente sua fé em Jesus Cristo, Senhor, Messias Salvador e Filho de Deus.
Mas não foi apenas há quase dois mil anos que o martírio acontecia e dava fecundidade à Igreja. Hoje também, perto de nós, continua acontecendo. O contexto é diferente, mas o princípio é o mesmo: confessar com a boca e com a vida que Jesus Cristo é o único Senhor e permanecer firme nessa confissão de fé até a morte, se preciso for. No dia 24 de março último, em plena Quaresma e às portas da Semana Santa, celebramos o martírio de Dom Oscar Romero, bispo de El Salvador, acontecido há 27 anos.
Oscar Arnulfo Romero y Gadamez nasceu em 15 de agosto de 1917, Ciudad Barrios, em El Salvador. Sua família era numerosa e pobre. Quando criança, sua saúde inspirava cuidados. Com apenas 13 anos entrou no seminário. Foi para Roma completar o curso de teologia com 20 anos e foi ordenado sacerdote, em 1943.
Retornou a El Salvador como pároco. Era um sacerdote generoso e atuante. Nesse tempo conheceu a miséria profunda que assolava seu pequeno país. Era um homem do povo, simples, de profunda sensibilidade para com os sofrimentos de sua gente, de firme perspicácia aliada à coragem de decisão. Corria a década de 70 e a maioria dos países latino-americanos vivia então duras experiências de ditaduras militares. Também para o pequeno El Salvador era um período de grandes conflitos.
Em 1977, padre Oscar Romero foi nomeado Arcebispo de El Salvador. Ao chegar à capital do país, as correntes eclesiais mais progressistas não ficaram muito satisfeitas. O novo arcebispo tinha fama de conservador. Porém os acontecimentos se precipitariam, dando uma guinada decisiva em sua vida. Em 1979, o presidente do país foi deposto por golpe militar. A ditadura se instalou e, pouco a pouco, se acirrou a violência. Reinava o caos político, econômico e institucional. De janeiro a março de 1980 foram assassinados 1015 salvadorenhos. Os responsáveis pertenciam às forças de segurança e às organizações conservadoras do regime militar instalado no país.
Nessa ocasião, dois sacerdotes foram assassinados por defenderem os camponeses que foram pedir abrigo em suas paróquias. Um deles era o jesuíta Rutilio Grande. Diante de seu cadáver, Dom Romero experimentou profunda conversão. Deixou sua posição moderada e, com impressionante coragem, colocou-se sem medo no epicentro do conflito, falando e atuando. Sua intenção não era acirrar os ânimos, mas conscientizar as pessoas, e sobretudo os responsáveis pelo poder, de que a paz só poderia vir pela via da justiça. E que os pobres não podiam ser massacrados pela injustiça e pela violência.
No dia 24 de março de 1980, Dom Romero foi fuzilado em meio aos doentes de câncer e enfermeiros, enquanto celebrava missa na capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador. Enterrado pelo povo dilacerado pela dor e pela orfandade, seu nome foi incluído na relação dos 1015 salvadorenhos assassinados, em 1980.
Dom Romero é daqueles dos quais diz o Apocalipse, que lavaram suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Testemunha fiel de Jesus Cristo, Cordeiro de Deus, ele nos lembra que Deus é maior do que qualquer coisa e que os pobres são no mundo seus filhos prediletos. Que a Páscoa de Dom Romero nos prepare para celebrar mais dignamente a Páscoa de Jesus Cristo, Cordeiro de Deus e Testemunha fiel por excelência. * Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros, e é Diretora de Conteúdo do Amai-vos
in www.amaivos.uol.com.br

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